Pare de automatizar processos!

 |  23/08/2021
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Há alguns dias navegando pelo LinkedIn, me deparei com uma imagem de divulgação de soluções RPA, a qual possuía uma linguagem amigável e acompanhava a frase que dizia:

“Hate it? Automate it.”

Mas o que essa frase tem a ver com “parar de fazer robôs”? Quer dizer que você não quer mais ver o RPA nas empresas?

Isso mesmo que você acabou de ler! Não quero mais ver robôs nas empresas… Não da forma como muitas estão lidando com o RPA atualmente, forma essa muito bem identificada nesta simples frase (leia até o final para entender).

Vamos à explicação:

A principal proposta do RPA é otimizar os processos internos de uma empresa, gerando economia de tempo e recursos, facilitando de diversas formas seu crescimento e permitindo que o foco seja direcionado ao aspecto humano. O grande problema é que este propósito se perde em muitas companhias e projetos de automação, observo que, em diversos modelos estão deixando de implementar os robôs como uma ferramenta de otimização dos processos, e enxergando o RPA como a solução para problemas internos (geralmente causados pelo fator humano e pela própria cultura organizacional).

Quando implementado para resolver problemas estruturais e culturais o RPA tende a ter um efeito negativo, ou seja, o contrário do esperado, não gerando os benefícios que a automação pode agregar… e sim causando muito prejuízo e dor de cabeça para todos os envolvidos.

Para compreendermos melhor o problema, criei algumas figuras e analogias, ilustrando a estrutura de uma empresa e a posição do RPA.

Ilustrando de forma simples, observe a estrutura projetada e seu funcionamento como uma “pirâmide”, na qual representa como um todo a estrutura de uma empresa, onde a base é formada por pessoas e por uma cultura, o próximo nível é composto pelos processos e ferramentas, e na última divisão, entram as ferramentas de otimização. Vamos entender um pouco mais sobre cada aspecto:

Pessoas e cultura

Consiste na sustentação de toda a estrutura, o modo de pensar, gerenciar operações e liderar pessoas! Empresas são compostas e movidas por pessoas, de forma que qualquer comportamento presente nos cargos mais altos desta camada se refletirá no restante da organização.

Uma mentalidade de gerenciamento tradicional e hierarquizada acarretará em processos mais lentos e provavelmente mais burocráticos, tal cultura se refletirá na camada mais alta da pirâmide, onde qualquer implantação de tecnologia otimizadora será mais densa e problemática.

Já uma cultura voltada ao pensamento Lean e com foco na autonomia das pessoas provavelmente resultará em processos mais fluidos e dinâmicos, oque consequentemente facilitará a implantação de novas tecnologias.

Processos e ferramentas

Relação que consiste em todo o funcionamento prático dentro de uma empresa, onde guiadas e amparadas pelos processos, as pessoas se utilizam de ferramentas, sistemas e frameworks para fazer com que todas operações funcionem e se comuniquem de forma dinâmica.

Tecnologias e ferramentas de otimização

Esta é a fase onde o RPA encontra-se presente! Como já sabemos, para que a implementação de qualquer ferramenta de otimização seja bem sucedida, a “pirâmide” deve possuir uma base sólida (pessoas e processos). A cultura presente no primeiro nível representado na pirâmide é o que na maioria das vezes ditará a taxa de sucesso na implementação de ferramentas como o RPA.

As ferramentas encontradas ao topo da estrutura são complementares, sendo um mecanismo de otimização e alavancagem de crescimento da empresa, e não o mecanismo essencial de funcionamento e resolução de problemas!

Como consigo identificar a metáfora da pirâmide no meu ambiente de trabalho?

Quando estamos inseridos no ambiente profissional, não é difícil traçar o perfil de tal lugar. Com o passar do tempo e adquirindo experiências você acaba realizando esse “check up” espontaneamente. Observando a mentalidade das pessoas presentes, principalmente de funcionários que admitem cargos mais altos (gestores, líderes e superintendentes), você facilmente saberá quando a implementação de qualquer nova tecnologia será, ou não, um processo dificultoso.

Uma empresa abrindo-se para mudanças de cultura, e mentalidade voltada para as metodologias ágeis, mas que ainda possui uma estrutura tradicional e fortemente hierarquizada, terá dificuldades na implantação do RPA. Por vezes você irá se deparar com processos desnecessários e burocráticos, porém, o projeto resultará em uma taxa de sucesso e velocidade maior do que uma gestão completamente tradicional e hierarquizada.

Companhias que possuem como foco o ser humano, esquivando-se de hierarquias e do tradicionalismo corporativo, geralmente aplicando metodologias derivadas do lean thinking à sua cultura, apresentam uma facilidade maior na implementação de novas tecnologias e ferramentas. Isso não significa que você deixará de se deparar com problemas e impasses, mas certamente a implantação de tais ferramentas será mais natural e dinâmica.

O segmento de cada instituição é um fator influente, impactando diretamente na sua cultura e no seu perfil. Grandes bancos e financeiras, por exemplo, costumam ser mais tradicionais, enquanto startups ou fintechs possuem o foco na humanização e no pensamento Lean.

O problema com o RPA!

Agora que já analisamos de forma simples como funciona a estrutura cultural de uma empresa, entendendo quais os cenários mais propícios para a implantação de um projeto RPA, podemos analisar diretamente o problema (imagino que você mesmo já esteja chegando à sua própria conclusão).

Sabemos que nenhuma empresa é perfeita, praticamente todas possuem problemas gerais, afetando desde relações e pessoas, até o funcionamento de tarefas.

Para resolver problemas e realizar operações mais eficientes, muitas estão passando por grandes transformações estruturais. Todavia, várias empresas ainda tentam remediar estes problemas de base, com soluções de “topo da pirâmide”, como tentar forçar frameworks ágeis em seus colaboradores ou resolver problemas oriundos da cultura e liderança implementando novas tecnologias.

Para facilitar ainda mais o entendimento do problema, vamos a um exemplo que contarei de forma resumida, um dos vários casos que presenciei da tentativa de implementar automação como reparo de problemas culturais. Para preservar a imagem dos envolvidos, utilizarei nomes fictícios.

‘’João era líder de uma equipe de monitoramento e suporte de chamados, com um problema de performance e trabalho repetitivo em mãos, procurou a equipe RPA para automatizar uma tarefa que lhe consumia muito tempo durante sua rotina de trabalho”.

João descreveu seu problema da seguinte maneira:

“A equipe recebe todos os chamados através de um aplicativo de mensagens, em um grupo com todos os membros. A solicitação chega no formato de uma mensagem padronizada, porém a equipe não possui proatividade para escolher e atuar nos chamados sozinhos. Meu trabalho tem sido selecionar cada solicitação, verificar qual colaborador do time está menos ocupado, e direcioná-la a este colaborador. Fazer este processo de forma manual, está tomando boa parte do meu tempo, então necessito que seja automatizado!”

A princípio você pode até constatar que se trata de um processo de fato repetitivo, volumoso, que toma tempo do colaborador, atende todos os requisitos do RPA e ainda é simples de ser automatizado. Foi o que imaginamos de início… começamos a fazer o mapeamento do processo, até que, com alguns bons ensinamentos (e puxões de orelha) de nosso gestor RPA, conseguimos visualizar o processo e chegar a uma conclusão bem diferente. Analisemos novamente um trecho da fala de João:

“… A solicitação chega no formato de uma mensagem padronizada, porém a equipe não possui proatividade para escolher e atuar nos chamados sozinhos…

Destacando a principal questão, concluímos que João, diferente do que ele mesmo imaginava, não precisava de uma automação. Seu tempo não estava sendo desperdiçado com uma tarefa necessária para a área, e que não poderia ser feita de outro jeito, seu tempo era desperdiçado por uma falha na cultura de seu time, ou até mesmo uma falha própria de liderança, que acarretava a falta de organização e proatividade de sua equipe.

Esta é apenas uma das várias situações que presenciei, quando o RPA é desejado para solucionar problemas causados por pessoas e não como uma ferramenta de otimização. Claro que a maioria das situações são mais complexas que esse exemplo, e nem sempre será fácil identificar quando o processo foi oriundo de uma falha cultural, mas lembre-se, o cliente muitas vezes pode estar enganado em relação ao que ele quer e ao que ele realmente precisa. Considerando isto, deixo algumas dicas para:

Empresas e gestores de times RPA

A automação não resolverá todos os seus problemas e não irá sanar erros ocasionados por fatores culturais, estruturais e organizacionais. A tentativa de se utilizar robôs como uma possível solução pode ser comparada com a metáfora “consertar uma rachadura de um prédio utilizando um pedaço de fita”, a princípio o erro estará solucionado, mas não resolvido, e ao longo prazo os problemas se tornarão mais prejudiciais do que se espera.

Lembre-se sempre da estrutura da pirâmide, antes de convocar uma equipe de automação e considerar o RPA, verifique se existe a necessidade de automatizar determinado processo, avalie também, se não é apenas uma questão de rotina com o intuito de remediar alguma falha humana ou procedimental.

Para desenvolvedores e equipes RPA

Na grande maioria das vezes o cliente não conseguirá enxergar o problema na totalidade, o foco dele é apenas solucioná-lo, sem imaginar que o erro pode estar surgindo de outros lugares. Portanto, cabe à equipe RPA enxergar o processo além do que ele se propõe a ser.

Desenvolvedores, não sejam quadrados! Não aceitem automatizar qualquer processo que chega em sua mesa, crie o hábito de olhar para a situação em sua totalidade. E do profissional júnior ao sênior: aprenda a dizer não!

Veja alguns questionamentos que podem ajudar a realizar avaliações quando receber uma proposta de RPA:

  • Qual a finalidade deste processo para a área?
  • Qual a finalidade deste processo para a empresa?
  • Qual a origem deste processo?
  • Como era realizado anteriormente?
  • Por que utilizar os sistemas X e não Y?
  • Qual impacto este processo tem para o cliente final?
  • Como este processo seria resolvido sem RPA?

Como um desenvolvedor ou analista de negócios, você deve fazer questionamentos ao receber um fluxo de automação. Seja um profissional imparcial e saiba dizer não. Uma boa avaliação permitiráchegar à conclusão do que requer, ou não, o processo de automação.

Ofereça ao cliente soluções e orientações corretas, mesmo que você ou sua empresa não sejam os fornecedores de tais soluções. Realizar orientações lhe trará mais confiança e credibilidade, pois ao tomar essa atitude o cliente perceberá que sua preocupação não é vender um RPA, e sim lhe trazer soluções!

Certo, sobre a frase no início do artigo, por que ela representa este comportamento de empresas em tratar o RPA como solução para tudo?

Infelizmente boa parte das empresas e desenvolvedores não possuem visão imparcial e foco na solução do problema. A verdade é que muitas estão focadas em vender e implantar RPA, independentemente de ser o que o cliente necessita ou não. Frases como essas, quando divulgadas por grandes empresas e por desenvolvedores, acabam propagando esta linha de pensamento, e mesmo que de forma inconsciente, tanto os clientes quanto os desenvolvedores acabam internalizando a mentalidade do “hate it? Automate it!”. Replicar esta frase é equivalente a dizer “está com problema? O RPA resolve”.

Mas a frase é correta! Implementar o RPA para resolver estes problemas causados por fatores humanos não vai resolver de qualquer jeito?

No curto prazo sim! De imediato irá resolver em partes, mas ao longo prazo tende a ser um desastre. Farei uma analogia simples e singela, demonstrando como essa escolha será um problema no futuro.

Imagine que você se tornou pai ou mãe, seu filho agora possui sete anos. Ele ainda está aprendendo algumas coisas básicas da vida, mas, diariamente espalha comida no chão da sala, mesmo você já o advertindo, nenhum aviso tem funcionado.

Até que certo dia, você recebe a indicação de uma pessoa que faz um excelente trabalho organizando a desordem da criança… Você já deve imaginar o ponto que quero chegar, não é?

Empolgado, pois você encontrou uma solução para a bagunça de seu filho, você corre para entrar em contato com o profissional. Fechado um acordo, a pessoa inicia seus primeiros dias de trabalho, e pasmem! O serviço prestado realmente funciona, e a bagunça da criança já não é mais vista pela casa.

Agora, acostumado a ter uma pessoa para limpar toda a sujeira, a criança começa a deixar a desorganização espalhada por outros lugares, porém, a pessoa responsável pela limpeza não está disponível para prestar o serviço em outras áreas da casa… imediatamente você corre para contratar outra pessoa, desta vez para limpar a sujeira de outro cômodo.

Acredito que não preciso seguir com o exemplo para que você compreenda a questão. Visualize a mesma história, troque a criança pelo cliente, a sujeira pelos erros processuais e culturais, e o profissional pelo RPA. No início você até consegue remediar a situação, mas no longo prazo você apenas deu continuidade e a reforçou mais negativamente. Os colaboradores continuarão acomodados cometendo os mesmos erros,e os processos continuarão tendo o mesmo problema de baixa eficiência.

Ao final, o resultado é o gasto em dobro de recursos para construir robôs completamente desnecessários, e a perda em mecanismos e tempo para dar manutenção em automações que não agregam em absolutamente nada.

A automação de processos provenientes de erros culturais somente deve ser aceita em casos de urgência, onde o RPA será utilizado para sanar o problema no curto prazo, enquanto uma solução definitiva estará sendo trabalhada em paralelo para ser implantada posteriormente. Cabe à equipe RPA analisar a situação como um todo, colocar todas as possibilidades na mesa e realizar o cálculo de custos e retorno para mensurar se realmente vale a pena criar uma automação como medida paliativa para que o processo seja corrigido posteriormente.

Conclusão

Como você viu ao longo deste artigo, o principal problema abordado é como a automação vem sendo utilizada de forma a tentar remediar problemas que pedem outras soluções, e não com o seu propósito principal, que é a otimização. No final das contas vemos que esta prática implica mais prejuízo do que ganhos, e maus planejamentos com o RPA afetarão diretamente os desenvolvedores e a equipe, perdendo então noites de sono e finais de semana sustentando robôs construídos a base de erros.

Coloque todas as dicas em prática no seu dia a dia e compartilhe este artigo para todos os desenvolvedores RPA que conhece, e Lembre-se: não automatize o caos.

Revisão: Vitória Nogueira

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Gustavo Riquena

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